terça-feira, 30 de março de 2010

Resto eu




Olhava pra ti. Espelhavas me. Pregava me ás bermas de madeira para fugir ao centro, onde me mostravas quem era. Estaria eu desfigurada? Se sim, porque continuariam então todos a olharem me na rua como uma boneca, ligeiramente danificada, de pernas maiores que o universo, de altivez e de uma singularidade ainda desigual? Porque me olhariam? Deixava de perceber. Verificava os dentes mil vezes em busca de pedaços de espinafres. Verificava o cabelo em busca de pastilha elástica. A sola dos sapatos em busca de merda. O rabo em busca de alguma substância pegajosa. Nada. Restava eu no meio de tudo o que poderia ser. Diziam-me os amigos "Olha pra aquele homem a olhar bué!" . A Renata responde lhes com "foda se"s continuos . Recusa se a acreditar. É tão melhor sermos nós a seleccionarmos o churrasco do dia. E não sermos uma peça de buffet, pronta a ser trincada por um qualquer parolo que pensar que sabe amar. Amor todos temos. Os cientistas chamam lhe adrenalina. Eu chamo lhe manipulação alheia.
Chamemos lhe então paixão desmedida. Chamemos-lhe concretização das fantasias. Sejamos concretos. Chamemos lhe flirt. Chamemos lhe sexo. Chamemos lhe honestidade. E depois paremos de dar nomes aos actos, e actuemos.
O palco está com certeza livre.
Estão todos de férias. Acendam as luzes. Num dueto, sem amor, sem camas ou confortabilidades, eu consigo brilhar.
Brilho apenas no palco. A luz da régie assim mo obriga. Deixo de brilhar na rua, no sistema. Nao mais existe a força para perceber a necessidade de acreditar no convencional. Sei bem o que sou. Apenas no palco me posso mostrar.

São 2:24.
A casa está vazia. Resto eu.