domingo, 29 de março de 2009

Agora a sério, ele chamava-se Ronildo


Era uma vez uma história.

E do nada surgiu um personagem principal (metediço) que acenando para a câmera, jurava não ter nome.
(Do outro do lado do ecrã, o povo ria-se da comédia evidente de todo o envolvimento para onde a história estava a caminhar. Rir-nos-emos então também com eles.)
Qual pensamento de rebanho, deixámos-nos ficar, estúpida e comodamente enterrados num sofá, que mais tarde nos servirá de metáfora, para uma confortabilidade inútil e no entanto, fácil.
Contava-nos então o senhor personagem principal, que vivera uma vida abastada, estudando nas melhores escolas, sorrindo ás facilidades, superando os supostos obstáculos da sociedade, e acreditando na suprema libertação posterior. Estudou portanto, para garantir pelos outros, um profundo não entendimento de porquê, no auge da sua carreira profissional, havia desistido de baixar a cabeça a uma hierarquia de valores que achava manipuladora e triste.
(Continuaremos a rir-nos da sua incrível história).
De como tinha fugido da cidade, do metal, do vidro, de protecções para uma violência provocada pelos valores de filmes de acção, pelos jogos de computador onde ganhamos vidas por matar, roubar e pontapear pessoas comuns na rua por se mostrarem vulneráveis. Ganhamos vidas, leram bem.
(Ás gargalhadas se encontravam os nossos queridos cordeiros de mentalidades obtusas)
Do viver incessantemente á volta de uma absoluta deusa- A televisão (respeitem os seus valerosos mandamentos), e achar engraçado como em média uma população passa em média quatro horas em frente a esta, defendendo a programação como um pai protege um filho.
De parar de acreditar num sistema educacional, em que a óbvia exaltação do ser, nos leva ao óbvio castigo, por mais uma vez, a estúpida hierarquia ser considerada o sistema mais perfeito de controle. Em que os mais novos, ainda que mais fortes, e mais conscientes, são controlados pelos mais velhos, por uma suposta experiência de vida, que é facilmente manipulada ou copiada. Por um detestável ponto de vista, em que o jovem se encontra em constante mudança e por isso, toda e qualquer opinião ou ideia é também constante e desacreditada. Mas o nosso personagem principal pedia desculpa ás excepções, com lágrimas nos olhos, arrependendo-se da ridicula generalização dos casos.
(Em casa, o pai- chefe de família ordenava á mulher que lhe trouxessem uma cerveja. Os filhos com os olhos brilhando, orgulhavam-se da sua autoridade)
De um governo governado também ele por pequenas unidades. De pessoas. Convertidas em números. Convertidas em subornos. Convertidos em deuses do Olimpo perante uma população. De governantes também estes iguais, com ideias iguais, com pensamentos iguais, separados por partidos. Adivinhem? Iguais. O medo é uma droga poderosa quando sabemos dominá-la. O medo de se ser diferente, de sermos especiais tal como somos, num triste cliché de telenovelas. Não me refiro a uma diferença forçada, mas uma diferença melhorada, estudada, pessoal e intransmissível.
(Cegos, os filhos olham para o pai e dizem-lhe que querem ser como ele quando crescerem. A mãe, essa, está no quarto a chorar)
De se aperceber que a religião havia governado a mente dos pobres de espírito durante demasiado tempo, e achar que a fé é suficiente para se sobreviver. Uma religião obrigada. Um deus forçado. Um fé realmente verdadeira, mas cegada pelos dogmas tristes de um catolicismo opressivo. Uma opressão também esta da individualidade, do gosto de viver, de escolher quando o fazer e de deliciosamente pecar. Aperceber-se que é proibido nesta ridícula religião orgulharmos-nos do passado, orgulharmos-nos do presente e dos nossos. E dos outros. E ainda ser proibido odiar, ser obrigatório aprender a amar, a perdoar, e a desrespeitar uma ira apenas controlada por cada um. E ainda mais ridiculo ser proibido comer demais. Deliciar-se com a gula da vida e todas as suas coberturas de chocolate e caramelo. E ser proibido entregarmo-nos á paixão, e dizer que não, ao compromisso.
De uma única direcção, da recusa á protecção e o reforço da união. Sexual. Sem quaisquer conservadorismos.
E de nos regermos pela lei de um homem, que nos acena de uma varanda e com um discurso preparado nos faz aguentar numa mentira , todos os anos consecutivos. Considerava então uma pura ditadura emocional. E chorava por essa triste ideologia, e ironicamente, mandava lhe então a primeira pedra.
(Já são horas de ir dormir. As crianças retiram-se, pegam nos seus terços e pedem perdão ao senhor por terem comido dois chocolates.)
Uma sociedade onde havido aprendido que o valor da pessoa, é contabilizado por um extracto bancário, uma consulta de saldo e uma carteira recheada. Um adeus eterno também este recheado, mas de liberdade. Da percepção que toda a mentira tem um fim. E no dia que a consciencialização do que nos tornámos surtir um ponto de engate exponencial, choraremos em conjunto. E nesse dia, o nosso personagem principal, pela primeira vez, rir-se-á egoista e conscientemente da estupidez do mundo.
Com uma esperança tal, de que dessa é que iremos mudar.
Choraremos então, por agora. Gritaremos, faremos birra sentados, e histericamente reagiremos. E pode ser que ao nosso lado alguém nos olhe de soslaio e com alguma sorte, se dê ao luxo de começar a viver.

Medrosa e incorrigivelmente.



É sempre um prazer.
Um beijo.
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