
Olhava pra ti. Espelhavas me. Pregava me ás bermas de madeira para fugir ao centro, onde me mostravas quem era. Estaria eu desfigurada? Se sim, porque continuariam então todos a olharem me na rua como uma boneca, ligeiramente danificada, de pernas maiores que o universo, de altivez e de uma singularidade ainda desigual? Porque me olhariam? Deixava de perceber. Verificava os dentes mil vezes em busca de pedaços de espinafres. Verificava o cabelo em busca de pastilha elástica. A sola dos sapatos em busca de merda. O rabo em busca de alguma substância pegajosa. Nada. Restava eu no meio de tudo o que poderia ser. Diziam-me os amigos "Olha pra aquele homem a olhar bué!" . A Renata responde lhes com "foda se"s continuos . Recusa se a acreditar. É tão melhor sermos nós a seleccionarmos o churrasco do dia. E não sermos uma peça de buffet, pronta a ser trincada por um qualquer parolo que pensar que sabe amar. Amor todos temos. Os cientistas chamam lhe adrenalina. Eu chamo lhe manipulação alheia.
Chamemos lhe então paixão desmedida. Chamemos-lhe concretização das fantasias. Sejamos concretos. Chamemos lhe flirt. Chamemos lhe sexo. Chamemos lhe honestidade. E depois paremos de dar nomes aos actos, e actuemos.
O palco está com certeza livre.
Estão todos de férias. Acendam as luzes. Num dueto, sem amor, sem camas ou confortabilidades, eu consigo brilhar.
Brilho apenas no palco. A luz da régie assim mo obriga. Deixo de brilhar na rua, no sistema. Nao mais existe a força para perceber a necessidade de acreditar no convencional. Sei bem o que sou. Apenas no palco me posso mostrar.
São 2:24.
A casa está vazia. Resto eu.